quinta-feira, 23 de abril de 2009

25 de Abril SEMPRE

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É em tributo à liberdade de expressão que este número «censurado» faz sentido.
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Enquanto estiver a ler os textos que se seguem lembre-se de uma coisa: neste número, as palavras, as ideias e as realidades que retratam, e que foram objecto desta «censura» simulada, aparecem cortadas ou sublinhadas, e acompanhadas dos carimbos que a Censura usava nas provas dos textos produzidos pelos jornalistas. Há 35 anos, na prática diária do regime, aqueles trechos cortados eram realidades, pura e simplesmente, apagadas, realidades que deixavam de existir por força do lápis azul do censor.
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Nestas circunstâncias, quem conhecesse Portugal apenas através da leitura dos jornais acreditaria que viviamos no país das maravilhas. É que não havia aqui prisões políticas, nem contestação do regime, não havia greves nem manifestações de protesto, não se traficava droga, ninguém se suicidava, nenhuma mulher se prostituía, não havia mendigos, nem bairros da lata, nem epidemias, nem bairros de lata, nem epidemias, nem deliquentes menores, nem violações, nem pedófilos, nem infanticidas, não estávamos na cauda da Europa nos indicadores culturais, sociais e económicos, nem existia corrupção. César Príncipe comenta: «Assim se escreve a História: a grande como a pequena. Não espanta que, só depois do 25 da Abril, certas camadas populares e pequeno-burguesas teçam pessimismos em relação à liberdade. Antes (...) não se assistia a esta 'pouca vergonha' de se conhecer o que sucede.»
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Neste contexto, não surpreende que, em Março de 1964, numa nota dirigida pelos censores às redacções se avisasse: «Quanto aos acontecimentos na Niassalândia (...) cortar todas as notícias relativas a violências executadas sobre os pretos pelos brancos. Não dar publicidade às atitudes antinativas das tropas locias europeias na repressão da revolta (...) Não há inconveniente em que se relatem violências exercidas pelos negros sobre os brancos nem que se diga que os motins são instigados pelos comunistas.»
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Chega, assim, a ser revoltante o cinismo com que Salazar responde ao chefe de Redacção do jornal O globo a quem concedeu uma entrevista em 1961. Conta Cândido de Azevedo (A censura de Salazar e Marcelo Caetano): « À pergunta do joranlista Alves Pinheiro: suspendendo a censura à Imprensa não eliminaria um dos mais poderosos motivos de má vontade contra o Governo?, Salazar pondera e responde: 'Mas, em rigor, não temos censura aqui. Os jornais circulam tal como são redigidos e impressos, sem alteração de uma linha. Existe uma Comissão de Censura que, todavia, praticamente nada tem que fazer.' O jornalista brasileiro observa: 'Precaução dos jornais, Presidente. Eles já sabem o que podem e o que não podem divulgar.' O primeiro-ministro ri. Não sorri, apenas. Ri satisfeito e exclama: 'Exactamente. Era a tal conclusão que eu desejaria que chegasse o senhor. O Governo conseguiu disciplinar a Imprensa, torná-la um elemento construtivo e não uma força deletéria, demolidora (...).»
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Em Depoimento, livro que escreveria em 1974, no Rio de Janeiro, onde se exilou após o 25 de Abril, Marcelo Caetano afirma, a justificar a manutenção, durante o seu consulado, do silenciamento da Imprensa: «Quase meio século de censura desabituara os jornalistas do sentimento das responsabilidades, a começar pelos directores dos jornais que comodamente descarregavam sobre os censores o encargo de dizerem se um texto devia ou podia ser publicado. Era preciso fazer a reeducação progressiva de todos estes elementos.»
O periodo de reeducação com vista às prometidas mas nunca concretizadas liberdades havia de prosseguir até à Revolução de Abril.



Daniel Ricardo - Linha Directa Especial
in VISÃO (Nº842, 23 a 29 de Abril)

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Não fazem falta comentários.
Sem nunca o ter vivido, mas vivendo-o todos os dias, esta é a minha data de eleição.